Íntegra do Discurso do Santo Padre João Paulo ao Colégio Cardinalício
no 1º Consistório Extraordinário com o Colégio Cardinalício
DISCURSO DO SANTO PADRE JOÃO PAULO
Sala Clementina - 11/05/2025
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Em Português
Eminentíssimos Senhores Cardeais, queridos irmãos no Senhor,
Com o coração repleto de zelo pelo bem da Igreja e com o espírito profundamente comovido pelas exigências do tempo presente, vos saúdo no Senhor e vos acolho neste Consistório, convocado não apenas para tratar assuntos de governo, mas para um verdadeiro exame de consciência e renovação do compromisso que cada um de vós assumiu ao ser elevado à dignidade cardinalícia.
O Colégio dos Cardeais, que deve ser o círculo mais íntimo do Sucessor de Pedro, tem por missão — como já ensinaram os Santos Padres — sustentar o ministério petrino com oração, prudência, conselho, fidelidade e disponibilidade total. Por isso, é inadmissível que o cardinalato seja vivido como um símbolo de status ou uma recompensa honorífica, como se o título bastasse por si só para justificar a inércia.
O vermelho que usais, veneráveis irmãos, não é ornamento. É sangue. É testemunho. É cruz. É martírio. A púrpura que revestis aos olhos do mundo não é cor de nobreza terrestre, mas memória viva dos mártires que entregaram sua vida por Cristo e pela Igreja. O cardinalato é, por excelência, chamado à configuração com o Cordeiro Imolado.
Contudo, tenho observado, com pesar e responsabilidade, a crescente negligência de alguns membros deste Sacro Colégio. Há quem apenas se sente na cadeirinha para “esquentar o lugar”. Há quem use o vermelho, mas nunca verteu sequer o suor da entrega. Há quem ostente, mas não serve. Há quem se afaste das funções que lhe competem, e sequer se digna a comunicar ao Decano uma justificação razoável.
Isto não é compatível com o espírito evangélico. Isto não edifica a Igreja de Cristo. Isto é uma traição, silenciosa e perigosa, ao Povo de Deus. Por isso, anuncio que em breve será publicada uma nova reforma do Colégio Cardinalício.
Nela:
Cardeais Eméritos que se afastaram indevidamente poderão perder o posto, conforme avaliação canônica e pastoral. Alguns cardeais serão promovidos a títulos condizentes com seu testemunho e dedicação. Outros descerão de título, como sinal claro de que o cardinalato não é prêmio, mas cruz. E todos aqueles que usarem da púrpura como instrumento de soberba, desrespeito, ou vaidade… devem se examinar diante do Magnificat de Maria: “Derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes”.
Não há espaço na Igreja de Cristo para poderosos orgulhosos. Fora da Igreja com todos os deshumildes e altivos de coração. Esta barca é dos que servem, não dos que se servem.
Além disso, expresso hoje minha grave insatisfação com o estado atual da Cúria Romana. Os últimos cargos nomeados não corresponderam ao mandato eclesial que lhes foi confiado. Há desorganização, falta de zelo, e, em alguns casos, lamentável omissão.
A Liturgia tem funcionado com improvisos, folhetos publicados em cima da hora, dificultando a oração comum do povo de Deus. Membros que abandonaram seus postos ou que se aproximaram de grupos cismáticos seguem sem correção clara. A Justiça eclesiástica encontra-se paralisada, e sobre as reintegrações, apenas o Decanato tem se manifestado. Os Dicastérios para os Bispos e para o Clero estão em silêncio, enquanto a Igreja necessita de orientação, critério e ardor apostólico.
A Cúria não é um palácio de vaidades. É oficina de trabalho. É rede de pescadores. Desejo ver todos os Dicastérios em plena atividade e colaboração. Temos Bispos e Padres a precisar de formação contínua, e apelo diretamente aos Dicastérios competentes para que organizem retiros, cursos, encontros eclesiais com urgência. Não há tempo a perder.
E sobre os Seminários — lugar sagrado de formação das futuras gerações de pastores — digo com tristeza: estamos falhando. Com a recente nomeação de Dom Lucas Reys, espero que se retome a direção espiritual e a vigilância teológica e moral dos candidatos ao sacerdócio.
Foi lamentável ver o estado deixado pelo anterior prefeito, que tratava com leviandade a missão mais delicada da Igreja, dando mais atenção às suas contas secundárias do que às vocações.
O Cardeal Agnelo Arns, com idade avançada, tem carregado o peso de cuidar sozinho dos seminaristas, enquanto muitos outros, Cardeais e Bispos, nada fazem para cultivar, promover ou discernir vocações.
Por isso, determino, a partir de hoje: Retomem-se as Santas Missões em todas as dioceses, com o objetivo explícito de buscar, formar e cuidar de novas vocações. Todos, absolutamente todos os cardeais e bispos, devem estar diretamente engajados neste processo.
Por fim, comunico aos senhores que, à luz dos tempos conturbados que vivemos — com cismas surgindo e divisões latentes no Corpo de Cristo —, o tempo de um novo Concílio se aproxima.
Nomeio, com este decreto, os Cardeais Lucas Reys, Agnelo Arns e Luca Marini como responsáveis diretos pela Comissão de Preparação Conciliar, encarregados de iniciar reuniões preparatórias na Sala das Conferências da Ala Paulo VI. A todos peço máxima seriedade, escuta do Espírito e espírito de comunhão.
O Concílio que virá não será um simples evento, mas uma virada eclesial necessária. E todos serão chamados a contribuir.
Concluo, irmãos, pedindo-vos uma conversão sincera e urgente. A Igreja não pode mais viver de aparência. O mundo nos observa. O povo de Deus nos escuta. E o Senhor nos julgará.
Agora, com espírito sinodal, quero ouvir-vos. Que cada Cardeal aqui presente manifeste com liberdade evangélica suas interrogações, propostas e ponderações. E, ao final, darei minha palavra de resposta e discernimento, como sucessor de Pedro e servo dos servos de Deus.
A todos, invoco o Espírito Santo. Que Ele nos conduza. Que Ele nos corrija. Que Ele nos santifique.
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Em latim
Eminentissimi domini Cardinales, fratres carissimi in Domino,
Corde studio salutis Ecclesiae repleto et animo penitus commoto ob exigentias temporum praesentium, vos in Domino salutamus et in hoc Consistorio excipimus, quod non solum ad negotia regiminis pertractanda convocatum est, sed ad verum conscientiae examen et ad renovationem illius promissionis, quam quisque vestrum, ad cardinalitiam dignitatem assumptus, coram Deo et Ecclesia fecit.
Collegium Cardinalium, quod intimum circulum Successoris Petri esse debet, missionem habet — ut Sancti Patres docuerunt — ministerium petrinum sustentandi per orationem, prudentiam, consilium, fidelitatem atque plenam promptitudinem. Quam ob rem intolerabile est ut cardinalatus veluti status symbolum vel honorificum praemium habeatur, quasi titulus ipse sufficiat ad inertiam excusandam.
Rubra vestis, quam induitis, fratres venerandi, ornatus non est. Sanguis est. Testimonium est. Crux est. Martyrium est. Purpura, quae oculis mundi videtur, non est color nobilitatis terrenae, sed viva memoria martyrum, qui pro Christo et Ecclesia vitam suam dederunt. Cardinalatus est, per excellentiam, vocatio ad conformitatem cum Agno immolato.
Tamen, cum dolore et officio, crescentem negligentiam nonnullorum huius Sacri Collegii membrorum animadverti. Sunt qui solum sedeant ad “locum calefaciendum”. Sunt qui rubram vestem ferant, sed ne sudorem quidem dederunt in oblatione sui. Sunt qui ostentent, sed non ministrent. Sunt qui ab officiis sibi commissis recedant, nec Decano iustam excusationem reddant.
Hoc cum spiritu evangelico non congruit. Hoc Ecclesiam Christi non aedificat. Hoc est proditio tacita et periculosa erga Populum Dei. Quapropter denuntio brevi tempore novam reformam Collegii Cardinalitii publicandam esse.
In ea:
Cardinales Emeriti, qui indebitis causis se retraxerint, munere privari poterunt, iuxta canonicas et pastorales aestimationes. Nonnulli Cardinales ad titulos eorum testimonio ac deditioni congruentes promovebuntur. Alii demovebuntur, ut signum clarum sit cardinalatum non esse praemium, sed crucem. Et omnes, qui purpuram tamquam instrumentum superbiae, contemptus aut vanitatis adhibeant… seipsos examinent coram Magnificat Mariae: “Deposuit potentes de sede et exaltavit humiles.”
Nullus locus in Ecclesia Christi est superbis potentibus. Foras cum omnibus inhumilibus et altivis corde. Haec navis est eorum qui serviunt, non eorum qui se ipsos ex ea pascunt.
Insuper, hodiè gravem exprimimus indignationem de statu hodierno Curiae Romanae. Ultimae nominationes officiorum mandatum ecclesiale sibi commissum non impleverunt. Incuria est, defectus studii, et in nonnullis casibus, lamentabilis omissio.
Liturgia per improvisationes procedit, schedulae hora ultima eduntur, communem orationem Populi Dei impediendo. Membra officia sua deseruerunt aut se ad coetus schismaticos appropinquarunt, sine clara correctione. Iustitia ecclesiastica paralysi laborat, et de reintegrationibus solum Decanatus se pronuntiavit. Dicasteria pro Episcopis et pro Clero silent, dum Ecclesia directione, discretione et fervore apostolico indiget.
Curia non est palatium vanitatum. Officina est laboris. Rete piscatorum est. Cupimus omnia Dicasteria plena in opera et mutua cooperatione videre. Episcopi et Presbyteri indigent continua formatione, et per hoc directe appello ad Dicasteria competens, ut statim retiros, cursus, conventus ecclesiales instituant. Non est tempus amittendum.
De Seminariis autem — sacro loco formationis futurorum pastorum — cum tristitia dico: deficimus. Cum recenti nominatione Domini Lucae Reys, speramus directionem spiritualem et vigilantiorem theologico-moralem candidatorum ad sacerdotium restitui.
Dolendum est statum a praefecto priore relictum videre, qui leviter agebat circa missionem Ecclesiae delicatissimam, plus attendens suis rationibus secundariis quam vocationibus.
Cardinalis Agnelo Arns, aetate provectus, solus pondus formationis seminaristarum portat, dum multi alii, Cardinales et Episcopi, nihil faciunt ad vocationes colendas, promovendas aut discernendas.
Quapropter statuo, ex hoc die: Sanctae Missiones in omnibus dioecesibus resumantur, cum explicito fine novas vocationes quaerendi, formandi et fovendi. Omnes, absolute omnes Cardinales et Episcopi, directe in hoc processu implicari debent.
Denique vobis declaro: intuitu temporum turbulentorum quibus versamur — cum cismata oriantur et divisiones in Corpore Christi latent — tempus novi Concilii appropinquat.
Nunc, hoc decreto, Cardinales Lucam Reys, Agnelum Arns et Lucam Marini nomino responsabiles directos pro Commissione Praeparatoria Conciliaria, mandans eos ut conventus praeparatorios in Aedibus Pauli VI, in Sala Conferentiarum, incipiant. Omnibus maximum gravitatem, Spiritus auditum et spiritum communionis commendo.
Concilium venturum non erit simplex eventus, sed necessaria conversio ecclesialis. Et omnes ad conferendum vocabuntur. Conclusione, fratres, vos rogo ut sincera et urgens fiat conversio. Ecclesia iam non potest vivere de apparentia. Mundus nos intuetur. Populus Dei nos audit. Et Dominus nos iudicabit.
Nunc, cum spiritu synodali, audire vos desidero. Unusquisque Cardinalis hic praesens evangelica libertate suas quaestiones, propositiones et considerationes exponat. Et in fine, ego ipse, ut Successor Petri et servus servorum Dei, responsum meum dabo et discretionem pastoralem.
Omnibus invoco Spiritum Sanctum. Ipse nos ducat. Ipse nos corrigat. Ipse nos sanctificet.